PROFINT - Curso de Formação em Psicodrama
O
DESENVOLVIMENTO DO GRUPO NA ABORDAGEM PSICODRAMÁTICA
Cybele
M. Rabelo Ramalho
Um grupo nasce, cresce, se desenvolve
e morre, como qualquer organismo vivo. Possui memória, registra vivências positivas
e traumáticas. Portanto, de acordo com a fase do seu desenvolvimento, um grupo
expressa diferentes características e fenômenos, ou seja, um grupo se modifica
e transforma gradativamente a sua estrutura. O estudo das fases, da dinâmica e
do desenvolvimento grupal é fundamental para que se possa aplicar qualquer
intervenção técnica com este. Este estudo tem interessado a vários teóricos,
tais como Bennis e Shepard (1961), Bion (1961), Schutz (1958), Lundgren (1972),
Jack Gib (1972) e Carl Rogers (1972). Neste texto, veremos um resumo das
contribuições dos psicodramatistas José de Souza Fonsêca Filho (1980) e Ronaldo
Yozo (1996).
O Século XXI solicita a atuação de líderes
abertos à co-existência de diferenças nos grupos, facilitadores da organização
e desenvolvimento de equipes de trabalho para a otimização dos recursos
disponíveis. São competências de um psicodramatista a sensibilização dos grupos
para o interesse coletivo, formação e desenvolvimento de equipes de trabalho,
preparação de líderes para a complexidade de suas tarefas, integração da
aprendizagem na formação profissional, potencialização dos recursos pessoais e
dos grupos.
O Sócio-psicodrama é uma metodologia
de investigação e de intervenção nas relações interpessoais, nos grupos, entre
grupos ou mesmo no relacionamento de uma pessoa consigo mesma. Estimula a
criatividade-espontaneidade e mobiliza grupos para vivenciar a realidade, a
partir do reconhecimento das diferentes experiências trazidas pelos seus
componentes e dos conflitos existentes. O sócio-psicodrama tem por objetivo
facilitar a busca de alternativas para a resolução do que revelado, para “desocultar”
os fatores ocultos que atravessam um grupo, desvelando a realidade. Ele pode
ser utilizado nas ruas, escolas, consultórios, comunidades e demais contextos
onde a ação psicodramática encontra possibilidades de transformação, expandindo
os recursos disponíveis dos grupos e de cada ser humano presente.
Esta abordagem foi criada pelo médico
psiquiatra romeno Jacob Levy Moreno (1889-1974), em Viena, na década de 20 e
desenvolvido mais especificamente na década de 50, nos Estados Unidos. Entre as
criações de Moreno destacam-se o Teatro Espontâneo, a psicoterapia de grupo, o
sociodrama, o psicodrama, o teste sociométrico e as demais técnicas
sociométricas, entre elas o role-playing. Toda a obra Moreniana é englobada no
que ele descreveu como Socionomia, ou seja, a ciência que estuda as relações
sociais.
Sob a coordenação de um
psicodramatista, os encontros grupais começam pelo envolvimento das pessoas com
um tema protagônico, emergente
naturalmente na intersubjetividade do grupo, ou objetivamente focalizado
previamente. Cada integrante do grupo precisa ser aquecido e integrado num
contexto grupal para poder ter a possibilidade de assumir, espontaneamente, o
papel de um personagem, objetivando maior consciência de conflitos internos e
interpessoais, ou visando a descoberta do potencial grupal. Durante o processo
socio-psicodramático busca-se não somente as alternativas de soluções práticas
e reais para as questões abordadas, mas uma maior conscientização das questões
inconscientes que atravessam o grupo.
Para o psicodramatista brasileiro Fonsêca
Filho (1980), que foi além de Moreno e desenvolveu a teoria da Matriz de
Identidade a partir da sua experiência com grupos terapêuticos, existem 4
estágios básicos para o desenvolvimento dos grupos.
1) Fase de Indiferenciação: nesta, as pessoas não se
conhecem, estão ansiosas e temem pela futura vida grupal. Os aspectos
simbióticos aparecem, sendo mais comum este fenômeno nos grupos pré-formados,
com história anterior. Às vezes, um elemento do grupo pode demonstrar aspectos
simbióticos mal elaborados de uma psicoterapia individual anterior com o mesmo
coordenador do grupo. Mas, nesta fase, em geral vivencia-se um estado caótico.
2) Fase do Reconhecimento grupal: Acontece
concomitantemente o reconhecimento intra-grupo do Eu e do Tu. As pessoas se
percebem e percebem as demais. A sociometria grupal vai se delineando (atrações,
rejeições, indiferenças, etc) de forma mais clara, ao tempo em que as relações
télicas e transferenciais se manifestam dentro do grupo. As relações “em
corredor” são relativamente comuns também, quando um membro se dirige só ao
terapeuta excluindo o grupo, desenvolvendo assim o ciúme grupal.
3) Fase da Triangulação: revela-se através da formação
de “triângulos grupais”, incluindo às vezes, os terapeutas. Surgem amizades,
competições, identificações, atrações sexuias, que podem gerar conflitos, ciúmes,
etc.
4) Fase da Circularização e da Inversão de Papéis: o
grupo se possibilita inverter papéis que dissolve triângulos e abre a
perspectiva para o círculo télico grupal. Nesta fase se alcança a identidade grupal,
de modo que o Eu-Eles dá lugar ao Eu-Nós. O “euísmo” e o “tuísmo” grupal está
em baixa, permitindo que as protagonizações tenham forte ressonância emocional
no grupo, desencadeando novas dramatizações em grupo.
Fonsêca também alerta para a entrada
de elementos novos num grupo, que geralmente propicia a retomada a estágios
anteriores, a depender da estrutura grupal já formada. A entrada de pessoas com
alto nível transferencial também promove regressões a fases anteriores, se o
grupo estiver pouco estruturado. Para ele, um grupo caminha oscilando num ir e
vir constante, com movimentos de frustração e de gratificação.
O diagnóstico das fases grupais é
importante para o coordenador de grupos orientar as suas atitudes perante eles.
O coordenador não poderá tomar uma atitude nem de proteção exagerada, nem de
abandono, principalmente nas primeiras fases, para não promover sentimentos
transferenciais, deste modo bastante justificados. Por exemplo: uma dependência
grupal corresponde a uma atitude diretiva exagerada do diretor ou facilitador.
O coordenador de grupos só deve utilizar
as técnicas de Aquecimento grupal quando tiver conhecimento da fase do
desenvolvimento do grupo. Utilizando-se do “princípio do Duplo”, o coordenador
faz uma leitura grupal e um diagnóstico fásico, que lhe possibilitará
acompanhar o fluxo do movimento do grupo, sem inibi-lo ou agredi-lo.
O psicodramatista Ronaldo Yozo
(1996) classifica que existem 3 momentos básicos para o indivíduo no grupo:
1)
O momento do EU-COMIGO: em que se localiza e se identifica num grupo quem sou,
como estou e como me sinto. Este momento está ligado à primeira fase da Matriz
de Identidade definida por Moreno, que é a fase da Identidade do Eu (EU-Eu).
Para esta fase, percebemos que predominam as sensações e o desenvolvimento
inicial da percepção. No que se refere ao desenvolvimento de papéis, é a fase
do Role Taking, ou seja, da simples
tomada de papéis de cada um no grupo. Devem ser utilizados nesta fase os jogos
sem contato físico, mais individualizados, que promovam o alívio das ansiedades
e a gradativa integração grupal, tais como os Jogos de Aquecimento, de
Apresentação, de Relaxamento, de Interiorização e de Sensibilização. O foco é
maior no indivíduo e na sua localização / aceitação no grupo, na saída de um
contexto social para a criação de um contexto grupal.
2)
O momento do EU e o Outro: a partir deste estágio os indivíduos se identificam
e começam a identificar os demais: quem é o outro, como eu me aproximo dele,
como me sinto perante ele, etc. Este estágio está ligado diretamente à segunda
fase da Matriz de Identidade definida por Moreno, que é a fase do
reconhecimento do Eu (Eu -Tu). Nesta fase também no grupo se inicia a
comunicação interpessoal e a senso-percepção do outro, além de se iniciar a inversão
de papéis. Mas, predomina o Role-Playing,
o jogo de papéis com mais espontaneidade. Os jogos desta fase devem ainda ser
sem muito contato físico, incluindo Jogos de Percepção de Si e do Outro e de
Pré-inversão de papéis.
3)
O momento do Eu com o Grupo (EU-ELE-NÓS): nesta fase, que corresponde à
terceira fase da Matriz de Identidade definida por Moreno, que é do
Reconhecimento do Tu e da verdadeira inversão de papéis, os elementos do grupo
já ampliaram a percepção de si e dos outros frente ao grupo. Estão em busca de
uma identidade e da coesão grupal. Nesta fase se permite maior integração e
comunicação, já se experimenta o Role
creating, o exercício de papéis com maior criatividade. Os jogos utilizados
nesta fase já permitem o contato físico, exercícios do grupo como um todo,
jogos de personagem, de Inversão de papéis, sociodramáticos e de Encontro
Grupal.
Finalmente lembramos que no
psicodrama, recomenda-se que o facilitador observe sempre em que fase de
desenvolvimento da sua Matriz de Identidade o indivíduo se encontre, antes de
indicá-lo para integrar um grupo. E em que fase o grupo se encontra, antes de
introduzir algum jogo dramático. A aplicação do jogo incompatível com a fase da
Matriz traz consequências desastrosas, tais como a não aceitação da técnica,
resistências interpessoais e intrapsíquicas, evasão, etc.
Referências:
FONSECA
FILHO, J. S. “Psicodrama da Loucura”. São Paulo, Àgora:1980, cap.5.
YOZO,
Ronaldo. “100 jogos para Grupos”. São Paulo, Àgora, 1996.
CASTILHO,
Àurea. “A dinâmica do Trabalho de Grupo”. Rio, Qualitymark: 1998, cap. 9.
RAMALHO,
Cybele. Texto a ser publicado: “Psicodrama Pedagógico e Pedagogia Simbólica”,
Aracaju, Profint, 2001.
RAMALHO,
Cybele. “Psicodrama e Dinâmica de Grupo”. São Paulo, Ágora, 2012.
Artigo escrito por Cybele Ramalho - CRP (19/300), Psicóloga, Psicoterapeuta Junguiana, Psicodramatista e Diretora Técnica da PROFINT - Profissionais Integrados.