AS BASES
FILOSÓFICAS DO PSICODRAMA
Cybele M.
Rabelo Ramalho
I. O
Surgimento da Psicologia Existencial: uma questão da Metafísica e da
Antropologia
A
Metafísica (a ciência depois da Física) surgiu com Aristóteles, na Grécia
Antiga, quando este começou a falar do SER, do tempo, do movimento, fazendo
estudos que ultrapassavam as evidências imediatas, ou seja, ultrapassavam a
Física. Também com Heráclito surgiu a questão polêmica da temporalidade
cósmica, da qual o homem participa. Porém, apesar desta evolução na época grega
clássica, até o século 18 predomina no meio científico o Mecanicismo Moderno,
pois com o surgimento das ciências Físicas, reduziram a visão do mundo a
esquemas espaciais puros.
Segundo as idéias predominantes de Descartes e Newton, o tempo era visto
mecanicamente, como uma forma de quantificar o movimento. Com o surgimento das
Ciências Biológicas, surge o organicismo, que reintroduz a noção de
temporalidade na natureza orgânica. Somente no séc. XVIII, com Darwin, surge o
Historicismo, pois com ele se faz a passagem da temporalidade orgânica para a
cultural. Assim, com o amadurecimento da consciência histórica é que surgem as
Ciências Humanas, estas sem referência e sem modelo. Daí, ou elas apreendem o
modelo naturalista - positivista - mecanicista do homem, ou retocam as
concepções Metafísicas antigas (dos gregos), ou tentam encontrar um novo
modelo.
No
século XX o estudo da matéria imaginária, iniciado pela Psicanálise (sonhos,
desejos), introduz uma temporalidade feita do imaginário, com recordação e
influencia cultural. Assim, se descobre a dimensão simbólica, com as Filosofias
da Linguagem.
Com
o surgimento da questão antropológica na Filosofia, a ciência da natureza passa
a ser secundária em relação à ciência do homem. Na virada do século XIX para o
XX, surge uma crise na Metafísica, todas as concepções do homem passam a ser
questionadas, sendo Immanuel Kant quem começa a sinalizar esta crise nesta
época. Porém, mesmo já na Grécia Antiga, e em vários outros momentos da história,
o Homem havia se tornado uma questão para ele mesmo, não uma solução. Sócrates,
no seu julgamento, em Atenas, já declarava: "O
que eu proponho é uma ciência Humana". E já existiam na Grécia os
terapeutas (sacerdotes), que interpretavam sonhos nos processos de cura...
Embora desde a Mitologia Grega e na Tragédia Grega o inconsciente já
tivesse sido mencionado, só foi introduzido na Ciência no final do século XIX,
porque antes, a idéia do homem era colocada na vida manifesta, dentro de uma
perspectiva racional e da consciência. Havia uma dicotomia presente nas visões
da natureza x homem. A natureza era vista como irracional, instintiva,
determinista; o homem como racional, consciente, livre.
A
Psicanálise no início do século XX nos mostra que o homem não é só isso, que
não se pode estabelecer estas dicotomias, pois representam uma forma
especializada de pensar. Lembremos o escritor brasileiro Guimarães Rosa: "O homem está no meio da travessia, nem
num lado nem do outro da margem", e completemos com a famosa frase do
humorista Millôr Fernandes: "Uma
imagem vale por mil palavras, mas para se descobrir isto, tem-se de
falar". No entanto, a posição determinista de Descartes afirmava uma
dicotomia "mente x corpo", como mostra a sua célebre frase: "Eu não preciso do meu corpo para
existir, apenas estou nele".
Bom,
com a crise da questão antropológica na Filosofia, o homem se torna não mais
uma "idéia", mas uma interrogação, principalmente a partir dos fatos
provocados pela Revolução Industrial. A automação, o anonimato das grandes
cidades, provocam reações na idéia do “homem livre”, começando a surgir a
percepção de que a sociedade progride em cima de contradições sociais (opressor
x oprimido). Assim, a nova sociedade industrial construída desmente todas as
idéias pré-concebidas do homem livre. Surge, então, a consciência de fatos novos:
-
"O homem é
contraditório e desigual";
-
A consciência não
determina tudo o que acontece; pois existem condições obscuras, da ordem
material da sociedade (forças econômicas), da ordem inconsciente, instintivas
(forças irracionais) e da ordem cultural (forças culturais). Assim, surgem as
idéias de MARX, repensando a Economia, as idéias de FREUD, com a noção de
inconsciente e as idéias de NIETZSCHE, revisando a Cultura.
. O
Idealismo e a Dialética de Hegel:
Este
filósofo tentou justificar a História do Ocidente, através do resgate da razão
e da consciência manifesta. Achava que tudo tinha um sentido. É considerado um
Idealista porque afirmava uma legitimidade intrínseca da História, comandada
pela racionalidade (a lucidez). Mas, seu maior mérito foi reformular o conceito
de Razão, deixando de lado a concepção mecanicista e introduzindo a concepção dialética da razão. Para ele
a razão é uma consciência histórica, cujo sistema é incompleto e aberto. A
Dialética (surgida com Heráclito e Éfeso, no século VI AC. e resgatada por Hegel, na Modernidade)
significaria: o desdobramento de uma verdade no seu contrário e a síntese desta
verdade com o seu contrário. Como no esquema. A (-A) = A (síntese).
Na
síntese, as diferenças não desaparecem, são absorvidas, não dissolvidas. Aponta
que é na relação dinâmica de cada coisa com seus contrastes que a sua verdade
se manifestará. A Dialética traz a idéia básica da mediação através dos contrários.
Assim, Hegel tenta explicar tudo através do método dialético, levando ao
extremo a visão Idealista. Por exemplo: para a Psicologia, a dialética pode ser
entendida no processo de diferenciação do desenvolvimento infantil, onde o amor
e o ódio (sentimentos ambivalentes) têm de ser confrontados e incorporados,
para que possa surgir a maturidade em relação aos pais. Só se consegue pensar a
Dialética pensando sempre as diferenças em relação dinâmica, sem estagnação,
para se resolver as contradições. Na neurose, por exemplo, acontece a
cristalização de oposições e contradições, não se vive o "estranho" e
não se elabora a síntese, não se resgata. A dialética acontece no âmbito de
cada ser e na relação com os outros seres. Por exemplo: EU - OUTROS: O Eu deve
mediar o outro dentro de si. O outro sou Eu e o estranho, também.
II. O
EXISTENCIALISMO DE SOREN KIERKEGAARD (1813 - 1855):
Ele reage ao Idealismo de Hegel e à tradição filosófica, defendendo o
auto - posicionamento do ser, do filósofo, dentro do seu pensamento. Com ele, o
filósofo se demite do discurso universal, passa a tratar de si e só é
compreendido mediante a sua vivência. Inaugura na filosofia o cunho
Existencial, com a sua obra "O Desespero Humano". Repudia o discurso
filosófico, alegando que este é o discurso de quem não consegue fazer a
experiência mística da fé. Para ele, fazer Filosofia é esgotar as palavras para
encontrar o vazio, onde o vazio pode atingir a experiência mística. Segundo
ele, o incomunicável (a atmosfera, as metáforas) comunica mais do que as
palavras, pois só quando estas se esgotam é que se consegue chegar ao alvo
desejado. Quando reage a Hegel, reivindicando o indivíduo e alegando que a
razão não esgota a existência, reivindica o caráter absoluto e transcendente do
universal.
Kierkegaard foi muito preocupado com a fé porque em sua vida não
conseguir ter uma fé sem conflito, resgatando para a filosofia as idéias
religiosas. Enfatiza não ter Deus e não se conformar em te-lo perdido, o que é
também uma característica da sociedade contemporânea, pois sabemos que a
sociedade medieval vivia amparada pelos conteúdos da fé religiosa. Em seguida,
a razão impera nos séculos XVII e XVIII, entrando em falência no século XIX.
Kierkegaard enfatiza este momento, voltando a trazer o tema da união do Homem
com Deus, no êxtase místico. O EU SINTO dele se opõe ao EU PENSO de Descartes.
Por exemplo:
Segundo Kierkegaard,"Cristo veio para sentir. É o Deus que passa
pela experiência. Não pode ser compreendido pelo sistema da Razão, só pelo
sistema da experiência". Para ele, "não se pode conceitualizar a
existência humana, ela está acima de qualquer racionalidade ou análise. A
experiência humana é irredutível". Para opor ao "Penso, logo
existo" (de Descartes), propõe "Existo, sinto, logo penso
"(Kierkegaard) - "Onde não é possível pensar eu me encontrarei".
Para ele, o homem é uma contradição viva, uma síntese do eterno e do
temporal, o que gera o paradoxo.Estar diante de Deus é estar tomado pela angústia,
em estado de pecado (é, segundo Fernando Pessoa, "é estar diante de uma
parede sem porta"). Kierkegaard define três estados em que o homem pode
viver:
1- Estético - O sujeito vive a existência vinculado ao
gozo, ao aqui - e - agora. Escamoteia a angústia. Está sermpre tendo de partir
da estaca zero, não é capaz de ir fundo e dar continuidade. Como exemplo, temos
a figura do Dom Juan, que ama todas as mulheres e não se encontra consigo
mesmo.
2-
Ético - Ele tem
um projeto moral e social amplo, mas tem uma vida interior limitada. Está no mundo do
trabalho e do dever.
3- Religioso - Só tem como interlocutor à altura o
próprio Deus, que não se manisfesta; é o homem que vive o absurdo, a solidão e
a incomunicabilidade.
Sabemos,
pela biografia de Kierkegaard, que este tinha uma ótima vida mundana, era
sedutor, engraçado, vivia uma vida estética; no entanto, queria ter uma vida
ética (casar, ter filhos, trabalhar, mas não conseguia), e tinha as ânsias de
fé que sentia não conseguir cumprir (ambicionava alcançar a vida religiosa).
A
Filosofia dele traz a relação Homem x Deus e a compreensão existencial da
síntese entre: o eterno e o temporal, o ser e o não ser, a transcendência e o
imanência. Traz a dificuldade de realização da síntese, que encerra as
contradições e paradoxos da existência. A fé abre as portas para a relação do
homem com o Absoluto, ela é uma abertura. O Absoluto é uma parte substancial do
ser e, se o indivíduo se colocar em face dele, passa a ter seu ser determinado
pelo Absoluto.
Ele
segue uma dialética que não caminha para a superação, permanece no paradoxo.
Não acredita na História da humanidade como a maior realização do homem, mas na
subjetividade individual, vinda através da experiência religiosa. O homem se
realizaria plenamente só através de situações aporéticas (negação da abertura),
sem saída, sem abertura.
Para
ele, o componente principal da fé não é a dúvida, mas a angústia. A dúvida é um
critério e um discernimento da razão, não da fé. Por exemplo, Abraão não
duvidou de Deus, ele teve angústia. A fé pede o absurdo, ultrapassa o limite do
ponderável, é uma crença ilógica, da ocorrência do improvável. O século XIX é o
século da angústia, pois coloca em cheque o Absoluto. Segundo Kierkegaard: "A angústia constitui o possível da
liberdade e apenas essa angústia forma, pela fé, o homem, no sentido completo
da palavra, absorvendo todas as finitudes, descobrindo todas a ilusões".
Para
ele, a possibilidade de escolha está na Angústia. O possível é muito mais amplo
que simplesmente as escolhas. Tudo está em aberto, tudo é possível. A angústia
principal é diante do passado e não do futuro, porque é na relação com o
passado que se determina a relação com o futuro. A angústia nos obriga a nos
reconhecer no passado, coloca em cheque a nossa liberdade, no esforço de
incorporação da única evidência que temos de nós mesmos. A angústia é a
possibilidade de acontecer algo no presente, que rompe o indivíduo com o seu
passado. Por isso, extrapolar os limites, romper com o desconhecido, ter um
comportamento heróico em relação às possibilidades, as situações clandestinas,
tudo isto cria uma relação de angústia com o passado. Por exemplo: o
experimentar drogas, o roubo, a traição, o assassinato, etc. No entanto, a
angústia não deve ser escamoteada para que não evolua muito e aniquile o Ser.
O
sêlo da nossa identidade é a nossa relação com o passado, que tem sempre de ser
reciclado (nostalgia do lugar primeiro - compulsão à repetição freudiana, como
uma saudade de um lugar onde nunca se esteve e nunca se vai estar). A crença de
Kierkegaard é que o ser deve se abrir para o Mistério, sem tentar explicá-lo,
pois ele não é para ser resolvido. A desmesura da razão é querer lidar com o Mistério,
como se ele fosse um problema. Quer-se alongar o limite da razão, para se ter
mais segurança.
Nas
relações mais profundas é que desabrocham os Mistérios. Mas, Kierkegaard propõe
que não se trate a angústia como algo desagradável, mas como abertura do próprio
ser. "Existir é ser um ser culpável",
ou seja, é-se culpado por ser sempre um transgressor em potencial, estar sempre
querendo ultrapassar as fronteiras do infinito.
Um dos
principais temas de Kierkegaard foi o Desespero (que significa literalmente sem
espera, sem esperança), que para ele é uma doença até a morte. O homem é um ser
desesperado. Para ele, o cerne da interioridade é a experiência da fé, mas ele
afirma que o homem é um ser sem esperança. O verdadeiro desespero é quando se
desespera de si próprio, quando quer libertar-se de si próprio e, ao mesmo
tempo, querer ser a si próprio.
O Desespero
é uma resposta humana às dificuldades de conduzir a existência. O Desespero da
finitude é condição da estreiteza do espírito humano, quando ele fica só no
finito. O Desespero da fraquêza é não querer ser a si próprio. No entanto, para
Kierkegaard, o EU é formado de Finito e de Infinito - é liberdade - está entre
a categoria do possível e do necessário, nesta dialética. Enfim, o Existencialismo
de Kierkegaard lançou as bases para o irracionalismo, o subjetivismo e o
niilismo do século XX.
III. O
EXISTENCIALISMO DE FIEDRICH W. NIETZSCHE (1844 - 1900):
Considerado "o pensador
maldito", apesar de ter tido formação religiosa e ser filho de pastor,
vai romper com a Religião. É irreverente, iconoclasta e demolidor. Segundo ele
mesmo, faz filosofia com um martelo (ou seja, quebrando, criando impacto). É um
desconstrutor de sistemas, buscando perceber que, atrás destes, há sempre outra
coisa. Resgata as pulsões, a libido, por trás das verdades cientificas postas.
Demoliu os sistemas filosóficos e não colocou outro no lugar, pois desejou
mesmo deixar à luz a realidade emergente escondida pelos sistemas. Sua função
foi mostrar a realidade, desconstruindo as camisas de força lógicas,
evidenciando os fatos que são encadeados dentro de um sistema lógico racional.
Influenciou muito Michel Foucault, que se baseou na Genealogia Nietzscheana,
orientando também a Antipsiquiatria Contemporânea e as psicoterapias
existencialistas.
Para
ele, as verdadeiras razões não são lógicas, mas afetivas. O homem sempre buscou
a verdade, através de 2 veículos: a razão (a ciência) e a fé. E afirma: "Não me interessa colocar mais um sistema da
verdade. O que importa agora é: porque o homem tem vontade de alcançar a
verdade?”. Assim, a sua perspectiva é genealógica. Sua filosofia é perspectivista, onde tudo vale, a partir
do ângulo que se considera. É relativização, obrigando a uma circularização
constante do seu objeto de estudo.
A
Genealogia é o estudo da gênese (busca da gênese, não através do fio lógico).
Suspeita dos valores da cultura, colocando em cheque todas as certezas.
Privilegia o latente ao manifesto. Para ele, o manifesto tem sempre uma conexão
intelectual, racional, uma explicação que legitima e justifica aos fatos. Já o
latente sempre tem um encadeamento afetivo, cronológico, que se dá ao curso da
experiência do sujeito, movido pela vontade.
A
Vontade é um conceito muito forte em Nietzsche, tanto quanto o do inconsciente,
em Freud (ele herdou este conceito de Shopenhauer). Esta Vontade não é
necessariamente consciente e é diferente do livre arbítrio. É uma força
emocional irracional, parecida com a pulsão. A realidade latente, movida pela
Vontade, comanda o sistema manifesto. Ex: a Vontade de verdade comanda a vida
humana.
Porque
o homem tem vontade de verdade? Porque
ele morre de medo do DEVIR. Ele procura a fisionomia estável das coisas, porque
é angustiante viver com a transformação incessante, com o Devir. Segundo ele, o
poeta consegue viver com esta transformação da forma, a consciência poética é a
única capaz de lidar com a verdadeira realidade, pois caminha com a evolução
das formas simbólicas. Nietzsche falava muito de como a sociedade racionalista
perdeu a dimensão trágica e a consciência trágica, pois é nela que o homem
poeta habita, pois com ela o ser vive e ama intensamente, é o âmbito da
ambivalência. É difícil o homem viver a condição trágica, só o vive poeticamente,
no amor ou na loucura.
No seu
famoso livro "Genealogia da Moral", ele avalia os valores culturais
em sua gênese, os valores favoráveis à vida e os que negam a vida. Descreve que
o homem é, ao mesmo tempo, apolíneo e dionisíaco, baseando-se nos deuses da
mitologia grega, Apolo e Dionísio. Toda produção de vida tem o apolíneo e o
dionisíaco, e é esta instabilidade que é terrível para a consciência, é angustiante
conviver com esta transitoriedade, tanto que o homem se limita. Porém, quanto
mais estável uma pessoa está, mais impossibilitada está de criar e
recriar.Vejamos as bases destas oposições baseadas as simbologia dos deuses
gregos: 1) APOLO: deus da forma perfeita, da luz, da aparência, do equilíbrio,
da medida; 2) DIONÍSIO: Deus do vinho, da vegetação, das formas subterrâneas,
da obscuridade, da embriaguês, da desmesura, do êxtase e da loucura.
Na
Natureza e no homem, quando culmina uma forma, ela já está se rompendo e
fazendo surgir uma nova forma. Só que o homem tem a consciência, que o
controla, temendo se auto-desintegrar. O homem se prende no apolíneo e teme a
reformulação do dionisíaco. A consciência torna a mudança perigosa. Nietzsche
afirma que reinventar (encarar as mudanças) é privilégio dos fortes, a maioria
é rebanho e frágil. A Natureza protege os fortes, por seleção natural. Já a
sociedade, protege o rebanho. Na hipocrisia cultural se tem um nivelamento pelo
fraco, se substitui os fortes pela casta, que usufruem um sistema de
privilégios (criando artifícios para fazer permanecer a verdade da casta).
O
congelamento das formas (primazia do apolíneo) é uma atitude anti-vida, pois
paraliza o progresso da cultura. E tudo que mobiliza as tensões fundamentais do
processo criador é VIDA. Se o movimento da vida se atrelar à forma, ela se toma
anti-vida. Segundo ele, a Cultura Ocidental é apolínea, e a Oriental acaba
promovendo o Nirvana, uma forma apolínea de resgatar o dionisíaco.
Nietzsche crê que sua época é niilista e pessimista, porque o homem se movimenta
dentro da existência em constante confronto com o Absurdo (viver, apesar de),
estando sempre se preparando para o perigo e o risco. O homem niilista está
sempre buscando a razão e, perdendo-a, cai num abatimento total, no
aniquilamento. O homem já não crê mais nas utopias e cai no abatimento. Mas,
ele propõe a saída deste aniquilamento através da coragem, da irreverência, da
alegria e da ironia. Propõe ao homem enveredar pelos absurdos sem teme-los,
propõe a GAYA ciência (a Ciência alegre, dionisíaca, do senso de humor).
No seu
livro "Os Quatro Grandes Erros",
(in "Crepúsculo dos Ídolos"), crítica a moral, a religião e a idéia
de causalidade. São para ele os quatro grandes erros:
1) O erro da
Inversão da causa com a consequência
- Fica-se preso aos sintomas, às manifestações epidérmicas, não se vai à
profundidade. O fascínio das conexões é tão grande, que se passa por cima dos
conteúdos. Propõe que nos libertemos dos grilhões do macête, de colocar uma
regra prévia a um acontecimento, fora do seu contexto específico. E propõe a
"transvaloração de todos valores",
ou seja, a inversão nos preceitos morais e religiosos. Por exemplo: O homem não
se torna feliz porque fez uma coisa boa; porque ele é feliz é que faz coisas
boas. A felicidade não é uma meta que se mereça atingir, se forem feitas coisas
boas.
2) Erro de uma
Causalidade Falsa - O Eu é a causa
mais fantasmagórica, não existem causas espirituais. São os pretensos motivos,
que passam como verdadeiros, explicados sempre pelo Eu. Por exemplo, o dilema:
"Eu quero, ou eu não quero alguma coisa". O "não querer"
pode ser uma forma sintomática de um não poder ou de um não saber. A causa
imediata acaba dominando, pois o "eu não quero" impede reflexões mais
profundas, escamoteia a realidade.
3) Erro das
Causas Imaginárias - O indivíduo não
pode viver sem causa, pois não se sente seguro. O novo, o estranho, fica
excluído como causa. A causa imaginária fica colocada na ausência de causa, por
imposição de um instinto causal. Daí ele questiona o limite da razão, propõe a
convivência com a ausência de razões para muitas causas, pois são estranhas ao
conhecimento. Por exemplo: as histéricas foram interpretadas como bruxas,
causas pseudo-morais foram atribuídas ao comportamento delas, como castigo,
como expiação dos pecados.
4) Erro da
Vontade Livre - Existe uma outra
vontade, a pulsional, que independe da consciência, prenuncia o inconsciente.
Atribuindo o livre arbítrio ao homem, dá -se a ele a responsabilidade e a
culpabilidade dos seus atos. Critica a Psicologia racionalista, que se baseou
no estudo do livre-arbítrio consciente. Nietsche afirma que a culpa não está só
ligada à questão do livre arbítrio, o que mais tarde vai ser tema de estudos
Freudianos. Na "Genealogia da Moral", ele afirma que a culpa é a raiva
embutida, a impossibilidade de se posicionar diante de um obstáculo faz com que
toda esta força se volte contra o indivíduo. A culpa é ressentimento, é o
descontentamento consigo, é o remordimento. Existe uma culpabilidade arraigada
no homem, que está nos arquétipos, provocada pela possibilidade constante de
transgredir. O ser humano tem uma força que é maior que o seu limite ou suas
fronteiras. Ou o ser humano sublima, ou ele transgride. A culpa vem da
impossibilidade de sublimar. Sublimar é abrir um possível, que passa através do
limite. Estar na iminência de transgredir gera culpa, que só é resolvida no
domínio simbólico, sublimando. A Sublimação passa por baixo do limite, não o
transgride.
Nietzesche presenciou o intenso sofrimento humano com a perda da fé em
Deus e a consequente desvalorização dos antigos ideais. Afirmou ser Deus uma
hipótese criada pelo homem, que reduz a procura do sentido da realidade. Para
tal ele tenta rebelar-se contra a moralidade e a culpabilidade, colocando-se
além do Bem e do Mal. Propõe uma guerra contra todos os valores aceitos, nos
ensina a descobrir a mentira e a hipocrisia latentes. Para ele, a fé cristã
seria o refúgio dos fracos, visto que tal moral seria incapaz de conduzir o
homem à auto-perfeição, uma vez que se apresenta como "tábua de
salvação". As ditas virtudes cristãs esconderiam as fraquezas e as
necessidades humanas (ressentimentos, desejos de superioridade, etc).
Propõe
então uma moral que seja representante da autenticidade, da alegria, da Vida,
da felicidade, do auto-domínio e da auto-conhecimento, que não negue ou
contrarie a Vida. Acrescenta que a superação de impulsos, sublimando-os,
canalizando-os para uma atividade criativa, seria o processo dos mais fortes,
do que ele chamou de Super-Homem. Enfim, Nietzsche afirma que, ao ser humano,
ninguém pode conferir suas propriedades. O sujeito se dá suas próprias razões e
normas. A faticidade do ser não pode ser desligada da faticidade de tudo que
foi e será.
Ele
não culpabiliza o homem por coisas que acontecem dentro dele, confere uma
inocência do Devir e desenvolve a noção do Cinismo, como a ausência da culpa.
Propõe a libertação de toda estereotipia do mundo. Mas, isto não significa
retirar do homem a sua capacidade mítica, de sonhar, etc. Condena a primazia da
razão, que quer comandar tudo. Destrói o mito de que a inteligência humana é
capaz de traduzir tudo que acontece. O intelecto para ele é um instrumento que
garante sobreviver nas condições precárias da vida instintiva, já que os
recursos instintuais do homem não são suficientes. A intuição (a apreensão
mediante a vivência) é que seria a realização do humano por excelência, a
verdadeira criação humana. Lamenta que a civilização supervalorize o intelecto
e atrofie a intuição. A cultura operativa abafa a criatividade, a capacidade de
criar conteúdos interiores válidos por si, independentes do pragmatismo da
sobrevivência.
Propõe
uma comunicação intersubjetiva, de intuição, e defende o homem estético, que
vive da sua sensibilidade poética, que usa metáforas, pois para ele é o que se
realiza mais. Na sua expressão "O homem está pendente em sonhos sobre o
dorso de um tigre" ( in "Verdades e Mentiras no sentido
Extra-Moral" ) ele quer dizer que o homem é um todo, que resgata a totalidade
(corpo e mente), mas descansa em cima de uma força (a natureza, seus instintos,
seu inconsciente), que ele desconhece. Afirma que o sentido real é uma
metáfora, e a partir dele se desencadeia toda uma reflexão sobre o simbólico,
sobre o mito, sobre a linguagem metafórica e intuitiva, desenvolvida
posteriormente pela Psicanálise e pelas Psicoterapias Existencialistas.
Enfim,
ele propõe o aprimoramento das possibilidades do Ser da pessoa, o
desenvolvimento de uma Vontade de Potência. Para ele, na base de toda cultura
que evolui estaria esta Vontade, que conduziria os homens e seus esforços pelo
desejo de primar, aperfeiçoar e obter poder. Assim, os êxitos políticos, a arte
e a filosofia seriam explicados por esta Vontade, assim como os valores da
beleza, da bondade e da verdade seriam funções desta Vontade. Ela representaria
o desejo do homem de superar a si mesmo e expandir sua força potencial. Através
desta Vontade, propõe demolir o niilismo e o imobilismo europeu presentes do
final do século XIX.
A
partir da influência de Nietzsche, a filosofia do século XX é invadida pelos
temas da Revolta, do Absurdo e do Nada. O inconformismo passa a ser uma força
no Ocidente, que não justifica mais o passado. A última tentativa filosófica
sistêmica de justificar racionalmente o passado havia sido a de Hegel, e não
atendia mais às evidências. Depois do Niilismo do final do século XIX
(sentimento marcante de desespero, desamparo e desesperança), surge a revolta,
que encaminha o homem para a liberdade, no início do século XX.
A
Psicologia deve a Nietzsche a preocupação com a profundidade introspectiva, a
revolução do pensamento cultural do século XX, o despertar para uma consciência
mais aguda do nosso mal estar, do nosso ser doente, e das nossas possibilidades
e potencialidades. Buscou tudo que seria estranho e questionável no existir, o
oculto, o proibido e o banido pela moral.
Atualmente, a nossa cultura tem como fisionomia o cosmopolitismo, a
globalização, o universalismo, a internacionalização, a burocracia e a
tecnologia, que expressam uma racionalidade auto-suficiente. Não existe uma
proposta ou missão determinante que nos tenha sido legada do passado. A
História é apenas uma grande memória coletada, de onde se faz regates
fragmentados, característica do Pós-Modernismo. Não existe uma continuidade
histórica entre o passado e o presente, o que observamos é um grande hiato. A
Cultura Ocidental está numa grande crise, e determinadas soluções se esgotaram.
Porém, do ponto de vista do desenvolvimento da humanidade, consideramos que foi
ótimo que isto acontecesse, embora seja duro abrir mão da Utopia, da
idealização. O século XX não teve mais Utopia, muito menos terá o XXI. No final
do século XX fomos capazes de fazer uma guerra fria, não mais revoluções.
Supomos, enfim, que as propostas atuais têm de ser inventadas, no século que se
inicia.
IV. O
SURGIMENTO DA FENOMENOLOGIA:
A
Fenomenologia surgiu como crítica à tradição e ao Racionalismo predominantes
até o século XIX. As primeiras teorias psicológicas do Associacionismo se
baseavam na Razão como base para a compreensão da emoção, pois julgavam que
todo conhecimento podia ser inteligível. A Fenomenologia tenta renovar a
compreensão do ser humano, criticando os modelos de conhecimento vigentes e
propondo um novo método.
Foi
criada por Edmund Husserl (1859 -1938), matemático por formação, que se tornou
filósofo a partir de um problema de geometria. A partir dele surgiram três
vertentes articuladas da Fenomenologia: 1 - As filosofias Existenciais
(Heidegger, J.P. Sartre, Merleau Ponty, Jaspers); 2 - As Pesquisas Lógicas; 3 -
A Epistemologia das Ciências Humanas.
A
Fenomenologia é um projeto de exposição de um método, mais do que uma exposição
de teses. Não pensa em catalogar o real, mas em explicitá-lo e descrevê-lo.
Para Husserl, é uma tarefa rigorosa, incompatível com o Psicologismo. Descrever
fenomenologicamente faz eclodir a rede que envolve o sujeito e o objeto, as
relações sócio-culturais, etc. O que descreve é envolvido pelo que é descrito,
numa relação muito íntima, que ele vai chamar de Intencionalidade. Para esta
noção, "toda consciência é consciência de alguma coisa", não existe a
separação entre sujeito e objeto.
Para
Husserl, o mundo não é apenas o conjunto de representações que faço sobre ele,
como afirmava o Idealismo. O mundo é contemporâneo à minha consciência dele, de
forma correlata. A consciência não existe independente e autônoma como sujeito,
ele depende da relação com o objeto e só existe a partir dele. Não há como
separar o laço que une a consciência e objeto, na Intencionalidade. Toda
consciência é essencialmente intencional - um movimento para fora, espontâneo,
um registro pre-reflexivo. Considera uma ilusão a vida íntima, isolada,
interior.
Propõe
uma "volta às coisas mesmas",
mas sabendo que a coisa em si é impensável. O que se pensa e se percebe é a
correlação (a conexão íntima, o laço) da coisa com a consciência que a percebe.
O Fenômeno é a manifestação da coisa mesma, sem projeção subjetiva, aquilo que
aparece, que se mostra.
Através da sua noção de Intersubjetividade ele explica como as
consciências se relacionam entre si. Para ele, o sujeito está sempre na
verdade, mesmo que parcial, dependendo da sua relação, do laço que ele
estabelece com o fenômeno. O ser é captado por limitações (da perspectiva), do
laço entre os sujeitos. Para o homem, o mundo se dá como limitado à esta
perspectiva. Na alucinação, por exemplo, temos mais um modo do mundo se dar ao
sujeito, uma experiência diferente, um outro modo de acesso ao mundo.
Para
Hussel, a tarefa da Fenomenologia é elucidar o puro reino das essências. É essencial
a busca das essências, mas para ele a essência não é introspecção. Ao atingir o
sentido de um fato, deve - se fazer uma Redução Fenomenológica, deixando-se de
pensar de modo introspectivo sobre o fato, de forma psicologicamente. Na
atitude fenomenológica, procura-se recolher o que as coisas mesmas dizem,
deixar que elas falem, e não o investigador pôr uma fala interpretativa sobre
elas. Os fenômenos se mostram, dizem o que são. A percepção de um fato se dá
com sua essência, simultaneamente, com o seu significado.
Para
os fenomenologistas, a essência é o SER da coisa, não a "coisa em si
". Ela é a armadura inteligível do ser. As essências não são eternas, nem
absolutas, elas são temporais e finitas. Pode-se refazer a experiência da
essência descobrindo-a com outros sentidos, num outro tempo, pois tudo pode se esvair
no movimento da História. Apesar disto, o sentido transcende a História, que
não a contradiz e faz compreendê-la melhor. O sentido mantém uma certa
identidade no decorrer da História. Para Husserl, o Sujeito é transcendental, é
um pólo subjetivo, uma condição de possibilidade, produtor dele mesmo.
Assim,
para ele o fenomenólogo deve buscar na sua atitude uma Redução Fenomenológica,
uma tentativa de radicar a intencionalidade, um processo para superar, esforço
para captar e explicar mais puramente o "laço"que une a consciência
ao mundo. É a tentativa de apreensão da essência, suspendendo qualquer
racionalização à priori, evitando qualquer psicologismo.
V. O
EXISTENCIALISMO E A FENOMENOLOGIA DE MARTIN HEIDEGGER (1889-1976)
Heidegger descreve e analisa radicalmente o Ser do Homem. Afirma que o
homem é a condição de desvelamento do ser, um ente que interroga o sentido do
seu ser. Propõe a passagem para uma Fenomenologia Hermenêutica, não
transcendental, não como consciência redutora, ao contrário de Husserl.
Afirmou
que o ser no mundo já é parte do espetáculo da essência. A essência reside na
forma da existência. Antes do olhar teórico, já existe algo prévio, o SER - AÍ,
ou seja, o DASEIN, a existencia em sua faticidade. Assim, o Dasein é o campo da
verdade do ser. O homem é abertura, produtor de significação. Na dimensão do
ser no mundo, o homem é o acontecimento. Enfim, DASEIN = SER AÍ = SER - NO-
MUNDO.
Heidegger afirmou que ser homem é ser a interrogação pelo sentido. Entre
todos os entes vivos, só o homem é o questionador. Heidegger não recusa a
razão, mas não afirma que o ser se funda sobre o pensamento. Acha que o
pensamento é que se funda sobre o ser, ao contrário da filosofia cartesiana. A
interrogação deve ser feita a partir do ser em questão, não mais a
Fenomenologia ser feita como descrição do que se dá ao olhar (como fazia
Husserl). Deve ser feita, para Heidegger, uma interpretação que supõe a
presença do próprio intérprete dentro dela (que seria a base da Hermenêutica).
Heidegger criticou o fato de todos os saberes sobre o homem não o
tornarem mais próximo ontologicamente de si mesmo, na nossa era.
Pré-otonlogicamente, já somos compreensão de sermos. A Hermenêutica deve lançar
mão dos nossos recursos naturais, do ser pré-ontológico, para compreender o
ser.
O que
significa Hermenêutica? Significa decifrar um enigma, a arte de interpretar, de
compreender os sentidos das narrativas, dos discursos. (Hermeneia = condução de
uma mensagem; Hermes = Deus - Correio, responsável pela transmissão das
mensagens no Olimpo). Heidegger propõe uma análise existencial do Dasein.
O
Dasein não é um sujeito no meio do mundo, ele é o seu mundo. O conhecer é um
modo de ser no mundo, entre outros. O Dasein possui tres estruturas
existenciais ou estados de ser no mundo: 1) Através do sentimento de situação
(da tonalidade afetiva); 2) Através da compreensão (que não é razão, é o
projeto do ser para o futuro); 3) Através da discursividade, da narrativa (da
teoria, da razão).Estas três estruturas se articulam entre si.
Para
Heidegger, o ser pode optar por uma existência alienada, inautêntica, que se
agarra ao presente, ou por uma existência autêntica. Nesta última opção, o ser
deve estar atento aos cuidados cotidianos, mas não se descuidar do "grande
cuidado", revelado pela Angústia, que o leva a uma preocupação com o
mundo. Esta o leva ao momento agudo da Angústia do Nada, onde o mundo lhe
aparece como uma totalidade, um pêso. Só a partir do enfrentamento deste Nada
ele pode passar a existir significativamente como ser-no-mundo. Paradoxalmente,
somente quando tudo perde sentido, ganha sentido.
Para
Heidegger, a Angustia não tem objeto, manifesta o Nada, a insignificância
mundana, quando as significações banais do mundo são reduzidas. O que leva á
Angústia é o próprio ser-no-mundo, desenraizado e sem segurança. Enfim, a
analítica existencial proposta por ele visava conhecer o verdadeiro sentido do
Ser em geral (análise ontológica) a partir da análise do ser concreto.
VI. A
FILOSOFIA EXISTENCIAL DE JEAN PAUL SARTRE (1905-1980):
É
somente com Sartre que a Filosofia Existencial se afirma e se torna mais
conhecida, como uma corrente que aborda com prioridade a questão da existência
humana, embora no século XIX Kierkegaard já tenha sido considerado "o pai
do existencialismo". No entanto, o Existencialismo tem alguns precursores
ilustres, que criticaram o racionalismo e foram perplexos diante dos mistérios
da existência, bem antes do séc. XIX. Entre eles, citamos Sócrates, Jó, Santo
Agostinho e Pascal:
1) Sócrates: "Conhece-te
a ti mesmo, que conhecerás ao outro, ao mundo e ao universo", e "minha questão não é a natureza, são os
homens", foram frases célebres desde grande filósofo clássico. Por outro lado, mesmo defendendo o
conhecimento do homem, Sócrates acreditava ainda que a existência humana podia
ser racionalizada, o que não o torna um existencialista.
2) Jó - personagem bíblico: "Meu sofrimento não tem razão ou sentido". Ele descreve
sua experiência de angústia, cuja explicação racional inexiste, que foi tão bem
analisada por Jung, já no século XX, no seu livro "Resposta a Jó".
3)
Santo
Agostinho: filósofo que se preocupou em estudar a interioridade das
experiências da existência: "a
vontade do homem é sempre dividida, conflituosa".
4) Pascal: filósofo do séc. XVII, que também se dedicou a
estudar a angústia, o desespero e os demais sentimentos humanos.
Voltando a Sartre, suas principais idéias sobre o Existencialismo, são:
1) todo pensamento brota da existência; 2) a existência é aquilo que iremos
refletir; 3) o pensamento é uma experiência vivida (é a existência que coloca
problemas para nós); 4) nós estamos sempre envolvidos com o nosso conhecimento;
5) todo pensamento está limitado pela existência; 6) e finalmente sua famosa
afirmação: "a existência precede a
essência".
Para
Sartre, os homens sistematizam a existência e, embora a achem inexplicável,
tentam explicá-la. Ele defende o uso de uma atitude mais prática e vivencial do
filósofo, não apenas teórica. Filosofar, para Sartre, é fazer dialogar o
sistema com a existência, sabendo que o ser existente jamais se deixa apreender
totalmente.
O
existencialista se defronta com um problema sobre o qual não existe uma resposta
final concluída. E descobre uma visão bastante angustiada do ser humano; e que
existe, na existência, sempre algo inexplicável: o drama da experiência humana.
Pois nenhum sistema racional consegue explicar o absurdo da existência e do
sofrimento humano, que é vivido. Ou seja, a História, a Ciência, são construtos
racionais para organizar e afastar a possibilidade de desintegração e do
absurdo.Mas, Sartre acredita que acima da Cultura e da Ciência, continua a
existir o caos e o absurdo. Por isto, o existencialista não procura mais a
ordem ou o sistema final, pois a experiência da vida é irredutível. Acima dos
sistemas de verdades estabelecidas existe a liberdade humana. Assim, a
linguagem do existencialista passa a ser menos conceitual, menos explicativa, mais
literária e fenomenológica.
Para
ele o homem está “condenado a ser livre”
- tem a sua liberdade radical. É um ser em aberto. Não se tem
mais a razão, mas o sentido, que é conferido pelo homem. Este sentido não é
dado no mundo para que o homem o encontre, não existe em essência a priori, ele
tem de criá-lo, através da sua ação. Assim, resta ao homem inventar o sentido
do absurdo em que ele vive. O existencialista se coloca, portanto, em oposição
a uma visão essencialista das coisas e em oposição ao filósofo essencialista.
E o que
seria uma filosofia Essencialista? A essência para estes filósofos seria um
núcleo permanente, originário, aquilo que faz com que algo seja o que é.
Segundo os filósofos essencialistas cristãos, foi Deus quem colocou a harmonia
e a essência no mundo; pré-existem ao homem o bem, o mal, a justiça, etc. Já o
filósofo essencialista ateu afirma que a essência não foi dada por Deus, mas
por uma razão ordenadora global. Ambos, porém, nos remetem sempre a uma coisa "fora"
que cria as coisas, pois para eles a essência precede a existência.
Todavia, para Sartre a essência é pura comodidade verbal. Para ele a
linguagem se remete a ela mesma, não a alguma essência ou alguma verdade. O que
falamos, sempre se enraiza numa experiência não dita. A linguagem é um passo
posterior e artificial, a compreensão prévia á linguagem é mais pura. O nosso
conhecimento é muito mais do que conceituar. O ser se expressa através do
sujeito, mas não é nunca uma expressão objetiva. Nós intuímos as essências, não
as conhecemos.Não existe essência rígida e racional, como não há nada anterior
ao homem, bem ou mal. Sartre propõe que pensemos a existência junto com o
sujeito, pois ela depende dele. E defende a primazia da linguagem poética e
intuitiva para a imersão na realidade.
Para
Sartre, a essência do homem é existir. Ele vem do Nada e a experi6encia da
possibilidade do Nada é sempre convivida pelo homem. São características da sua
filosofia:
1) Filosofia do Absurdo: se não tem Deus para criar o
homem e a sua essência, ele está solitário e desamparado, sua existência é
absurda, pois não tem uma razão última que o preceda.E o maior absurdo é a
morte.
2) Filosofia da Liberdade: o homem só é livre porque não
tem uma essência definida a priori, el pode ser qualquer coisa, assumir
radicalmente a sua liberdade.Surgem daí as questões: a) da criação do seu
Projeto de vida; b) da criação do seu compromisso histórico com a humanidade;
c) da criação dos seus valores.
Para
Sartre, o Bem é o ato de escolher, não os valores morais que o determinam. E o
fato de ter de escolher sempre leva o homem a procurar o melhor para si (mas o
melhor não entendido no sentido moral). Tudo que o homem escolhe é um bem para
ele naquele momento, pois o mal é não escolher. Quando ele não escolhe está num
estado de "má fé".
Para
Sartre o homem é responsável pelas suas escolhas, esta é gratuita, não existe
uma razão última que a justifique anteriormente, como melhor ou pior. E isto
gera angústia. Portanto, a angústia para Sartre vem da liberdade, ao contrário
de Heidegger, que afirma que ela vem do Nada. A escolha em Sartre é feita no
contexto ou situação do ser-no-mundo, política e social, no seu momento
histórico. A escolha e a angústia vêm do reconhecimento humano dos seus
limites. O homem é o autor do seu destino, a existência não tem um significado
a priori, cabe a ele dar o seu sentido. Por isso, Sartre vê sua filosofia como
otimista e não pessimista, como muitos a apontam. Acredita no potencial humano
para criar e transformar a realidade através do trabalho e do seu compromisso
com a coletividade, com a humanidade em geral.
A
questão do vinculo Eu -Tu ou a questão do OUTRO também foi muito trabalhada por
Sartre, em seus livros filosóficos, romances e peças teatrais. Na sua peça
"Entre Quatro Paredes", ele afirma que "o inferno são os outros". Segundo Sartre, estamos obrigados ao
olhar do outro e necessitamos dele, o que é para nós um suplício. Cada
consciência é um centro de referência único, mas o outro não me aparece como um
objeto, mas sim como uma nova consciência, que tem o poder de reorganizar tudo
ao seu redor. O OUTRO é o centro de um outro mundo, que me vê.E a única maneira
de ver a si mesmo é através deste OUTRO. Eu vejo o OUTRO a partir desta
experiência contraditória da fusão e da separação. Ao mesmo tempo, eu sou este
Eu que o OUTRO conhece, e também não posso determinar o que eu sou para o
outro. Sou objeto do olhar do OUTRO e sujeito de todas as minhas coisas. No
olhar do outro, não sou dono da minha imagem, ele me congela, me fixa, me
constitui, me faz me ver, me dissolve, me nega e me afirma.Daí o meu sofrimento
e angústia diante do seu olhar.
Enfim,
Sartre fundamentou suas idéias em
Carl Marx, Husserl e Heidegger, autores que tem em comum o
papel ativo do indivíduo na construção do seu próprio destino. Os pontos
básicos estudados por ele foram: o ser e o nada, a consciência e a
transcendência e os caminhos da liberdade.
Para
os existencialistas, a capacidade que o homem tem de criar a si mesmo faz parte
da condição humana, não da natureza humana. Enquanto que para os
Existencialistas é o homem que tem de criar as suas potencialidades, para os
Humanistas o homem tem de desenvolver as suas potencialidades. Os teóricos
Humanistas falam da descoberta do eu e os Existencialistas da criação de uma
subjetividade. Assim, afirmamos finalmente que o Psicodrama não é uma abordagem
Humanista, mas sim fenomenológico-existencial.
Como entra o
Psicodrama de Moreno neste contexto filosófico?
O
Psicodrama é uma das terapias de base fenomenológico-existenciais, tanto quanto
outras terapias vivenciais, como é exemplo também a gestalt-terapia. Estas
abordagens vivenciais têm como base ajudar o cliente a experienciar a sua
existência, buscando a compreensão fenomenológica do ser existente. Partem do
princípio de que o homem é construtor de si próprio e do seu mundo. Buscam
fazer o indivíduo alcançar uma existência autêntica, espontânea e criativa.
Nestas abordagens, a técnica e a teoria são secundárias em relação à pessoa e à
relação terapeuta e cliente.
Nas
abordagens fenomenológico-existenciais busca-se o desenvolvimento da intuição,
da liberdade e da sensibilidade, e não se utilizam enquadramentos diagnósticos
psicopatológicos. Vê-se o neurótico como alguém que ainda não encontrou seu
caminho de crescimento, que se submeteu ás conservas culturais, cristalizou
papéis e deixou de ser espontâneo criativo, perdeu o sentido da sua vida.
Enfim, para o Psicodrama, o neurótico tem dificuldade de viver o aqui-e-agora e
o Momento, pois falsifica o fluxo das suas vivências. Os existencialistas e
psicodramatistas concebem o homem como um ser inacabado, em eterno devir.
Enfim, as terapias vivenciais de base fenomenológico-existencial, tem
como objetivo fazer com que o indivíduo possa resgatar a liberdade de poder
utilizar suas próprias capacidades para existir, para reaprender a utilizar a
sua liberdade de forma responsável, para ele ser o que ele é. Para tal,
promovem uma relação terapêutica que privilegia o Encontro Existencial Eu-Tu,
que recria e permite o Encontro na vida, em outras relações sociais.
Segundo
ALMEIDA (1988:39),
"as psicoterapias de base
fenomenológico-existenciais procuram, a
partir da Análise Existencial de Ludwig Biswanger (1881-1966), que por
sua vez inspirou-se em Freud e Heidegger, o sentido da vida e da luta do homem
(...).Pretendem ter uma dimensão maior, além dos níveis psicológico e
psicopatológico, estabelecendo como metas a busca de referências éticas,
espirituais, filosóficas e axiológicas.Surgiram como oposição ao determinismo
das terapias chamadas científico-naturalistas ou explicativo-causais".
Moreno pretendeu que cada sessão psicodramática fosse uma experiência
existencial. Através do discurso Moreniano, podemos encontrar os conceitos
básicos da Fenomenologia Existencial, tais como: existência, ser, temporalidade
(aqui-e-agora), espaço, encontro, liberdade, projeto, percepção, corpo, imaginário,
linguagem, sonhos, vivência, etc.
No
método fenomenológico em geral encontramos o método psicodramático em seus
princípios básicos, quando, por exemplo, defende o exercício da intuição, da
redução fenomenológica, da arte da compreensão, da atitude ingênua diante dos
fenômenos, sem definições a priori. A atitude ingênua, a inter-subjetividade a
intencionalidade e a intuição estariam na relação Eu-Tu do Psicodrama, e não na
relação Eu - Ele, Eu - Isso ou Eu - aquilo.
O
método psicodramático também é um método sempre aberto a novas investigações,
como é o fenomenológico. Para Moreno, "uma resposta provoca cem
perguntas". Por ser um método aberto, não se conclui que o método
psicodramático seja caótico e desordenado. Pelo contrário, ele permite
acompanhar um mundo em movimento com regras que impedem a cada um uma
participação autoritária ou irresponsável (ALMEIDA, 1988:28).
Moreno,
ao ler as fantasias de Kierkegaard nas páginas do seu Diário, considerou-o um
"psicodramatista frustrado", mas admirava sua filosofia e
compartilhava de suas posições. Reconheceu que o grande êxito do filósofo foi
ter sido sincero consigo mesmo, analisando sua própria existência, levando uma
vida pessoal de acordo com sua verdade subjetiva. Moreno tencionava com o
Psicodrama permitir que as pessoas vivessem em plenitude suas inquietações
psicológico-existenciais, de modo a não ficarem estratificadas nas páginas de
um diário.
No seu
livro "Fundamentos do Psicodrama", na Sexta Conferência (Moreno, apud
ALMEIDA, 1988:44), Moreno demonstra sua clara preferência pelo Existencialismo:
"Ser é algo que não tem fronteiras; não
reconhece como limites o crescimento e a morte, os inclui. Se estende no tempo
e no espaço e se centraliza nesta pessoa, neste momento e neste aqui. Ser e
saber são inseparáveis. Ser, no sentido corrente da palavra, não requer o
saber. Mas a recíproca é coisa absurda. Ser, nesse sentido, é precondição do
saber. A partir do saber, nunca poderíamos alcançar o ser".
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
ALMEIDA, W.C. "Psicoterapia Aberta - Formas do
Encontro". São Paulo, Ágora, 1988.
ERTHAL, T.C. S. "Terapia Vivencial: uma abordagem
existencial em Psicoterapia". Petrópolis, Vozes, 1989.
DARTIGUES, André. "O que é Fenomenologia?".
Rio de Janeiro, Eldorado, 1973.
GILES, T. R. "História do Existencialismo e da
Fenomenologia". São Paulo, EDUSP, 1975.
BUBER, Martin. "O Eu e o Tu". São Paulo,
Cortez e Moraes, 1977.
Artigo escrito por Cybele Ramalho - CRP (19/300), Psicóloga, Psicoterapeuta Junguiana, Psicodramatista e Diretora Técnica da PROFINT - Profissionais Integrados.